APRESENTAÇÃO (OU PRÉ-VÍRUS)

O que veio primeiro: a pandemia ou o pandemônio?

Brincar com as palavras pode ser perigoso. Ainda assim, ao invés de um prefácio, ousamos arriscar um texto pré-vírus. Porém, como uma coisa leva a outra, ao invés de focar num texto pré-vírus-pré-livro, fixamos pensamento no período pré-isolamento (até porque nosso livro não é um vírus do mal, tampouco uma gripezinha). Daí, nas trilhas ardilosas da mente, pegamo-nos indagando já aqui sobre o que veio primeiro: a pandemia ou o pandemônio?  

É certo que a pergunta não tem lá muitos mistérios e, nos idos deste interminável 2020, qualquer um que ainda prefira livros que correntes do tio do Zap conseguirá responder que é claro que foi...

O ovo.

Da serpente.

Do fascismo.

A questão é quem chocou o ovo e o que saiu lá de dentro primeiro.

Por isso larguemos a questão ontológica para os textos reunidos na sequência deste aglomerado de bilhões de zeros-e-uns – ou de centenas de papéis (dependendo de qual versão você tem em mãos).

De forma intencional ou não, são trabalhos que buscam cumprir aquilo que é a essência do pensamento estético e ético que permeia a Teoria Crítica da Sociedade: identificar a contradição e tensioná-la dialeticamente (seja enfrentando o conceito, seja apostando na arte), de forma que o próprio pensamento crítico e a abordagem sensível da realidade permitam elencar novas questões para um outro mundo.

Assim, folgamos adiantar que esta não é uma coletânea “convencional”, com um emaranhado de artigos que visitam uma base teórica única (ou muito próxima), escolhem um tema de interesse e recortam a realidade como se tudo começasse e terminasse ali. Ela tenta ser a contramão disso! Trata-se de uma organização ensaística. Aqui a tentativa é de, partindo da valorização das partes e das singularidades, discutir e elaborar o todo, aproximando práxis e teoria sem receitas de bolo ou de remédio – principalmente se for a indicação de um coquetel de cloroquina com ivermectina, cruzes!

Não se espante ao transitar de forma dura entre artigos e ensaios, poesias e prosas, textos verbais e não-verbais. A intenção com a organização que não respeita limites de gêneros e formatos foi justamente de provocar o incômodo e, para isso, reiteramos: nada melhor que apostar na diversidade.

O conjunto de autor@s que aqui se apresenta é composto por colaborador@s muito querid@s do nosso Núcleo de Estudos e Pesquisa e Educação, Filosofia e Linguagens, o Nepefil. Isolad@s, mas não solitári@s (como prima o momento), esse coletivo reuniu forças para discutir com rigor científico, ética, profundidade e sensibilidade estética o contexto de isolamento social que a pandemia de SARS-CoV-2 impôs (mesmo que o isolamento já tenha se encerrado há muito ou nem tenha começado para alguns).

No caso particular do Brasil – que na data de publicação deste original supera os 150 mil mortos – esta obra surge também como denúncia sobre as políticas de morte e fascismo responsáveis por promover um verdadeiro genocídio entre os nossos.

Ao fim, mais do que um respiro, esperamos que os textos aqui reunidos permitam aquela melancolia proposta por Walter Benjamin: um sentimento que incomoda, torcendo nosso estômago e fôlego, mas que não nos paralisa. Ao contrário: coloca-nos em movimento em busca de um mundo mais justo do que aquele que corre diante de nossos olhos.

Navegue como desejar pelas poesias, prosas, ensaios, artigos e ilustrações e siga sua própria trilha. Seja ela qual for, desejamos que esta leitura seja uma boa companhia para enfrentar o isolamento social e, sobretudo, para mirar o devir.

@s organizador@s